quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Sem Palavras

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Do Carta Maior: A velha mídia e sua batalha inglória

A velha mídia e sua batalha inglória

A Folha de São Paulo publicou editorial neste domingo criticando "práticas desleais na internet" que estariam "colocando em risco as bases que permitem o exercício do jornalismo no país". A Folha, no caso, se apresenta como porta-voz deste jornalismo independente. Para o jornalista Luis Nassif, o editorial aponta o objetivo final do processo que explica o comportamento da mídia a partir de 2005: "a politização descabida, as tentativas sucessivas de golpes políticos, os assassinatos de reputação de políticos, juízes, jornalistas".

Data: 15/11/2009

O jornalista Luis Nassif comenta neste domingo em seu blog o editorial publicado na Folha de São Paulo, que critica "práticas desleais na internet" que, supostamente, estariam "colocando em risco as bases que permitem o exercício do jornalismo independente no país". A Folha, no caso, se apresenta como porta-voz do "jornalismo independente". Uma piada, diz Nassif, que questiona:

"Qual o direito de conhecer a verdade que a Folha propõe? A ficha falsa de Dilma? Os arreglos com Daniel Dantas? A série sistemática e diária de matérias falsas, manipuladas, a deslealdade reiterada contra seus próprios jornalistas que não seguiram a cartilha?"

Abaixo o editorial da Folha e, depois, o comentário de Nassif:

O editorial: "Direito à informação"

Práticas desleais na internet colocam em risco as bases que permitem o exercício do jornalismo independente no país

DEMOCRACIAS tradicionais aprenderam a defender-se de duas fontes de poder que ameaçam o direito à informação.

Contra a tendência de todo governo de manipular fatos a seu favor, desenvolveram-se mecanismos de controle civil -caso dos veículos de comunicação com independência, financeira e editorial, em relação ao Estado. Contra o risco de que interesses empresariais cruzados ou monopólios bloqueiem o acesso a certas informações, criaram-se dispositivos para limitar o poder de grupos econômicos na mídia.

Essas salvaguardas tradicionais se veem desafiadas pelo avanço da internet e da convergência tecnológica nas comunicações -paradoxalmente, pois esse mesmo processo abre um campo novo ao jornalismo.

Apesar da revolução tecnológica e do advento de plataformas cooperativas, a produção de conteúdo informativo de interesse público continua, majoritariamente, a cargo de organizações empresariais especializadas. O acesso sistemático a informações exclusivas, relevantes, bem apuradas e editadas sempre implica a atuação de grandes equipes de profissionais dedicados apenas a isso. Essas equipes precisam ser remuneradas -ou o elo se rompe.

Quando um serviço de internet que visa ao lucro toma, sem pagar por isso, informações produzidas por empresas jornalísticas, as edita e as difunde a seu modo, não só fere as leis que resguardam os direitos autorais. Solapa os pilares financeiros que têm sustentado o jornalismo profissional independente.

Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga -a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como os de TVs, revistas e jornais-, alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados e atores que não lhe sejam convenientes. A tendência a discriminar concorrentes se acentua no caso brasileiro, pois os mandarins da banda larga são, eles próprios, produtores de algum conteúdo jornalístico.

Quando autoridades se eximem de aplicar a portais de notícias o limite constitucional de 30% de participação de capital estrangeiro, abonam um grave desequilíbrio nas regras de competição. Veículos nacionais, que respeitam a lei, têm de concorrer com conglomerados estrangeiros que acessam fontes colossais e baratas de capital. Tal permissividade ameaça o espírito da norma, comum nas grandes democracias do planeta, de proteger a cultura nacional.

Contra esse triplo assédio, produtores de conteúdo jornalístico e de entretenimento no Brasil começam a protestar.

Exigem a aplicação, na internet, das leis que protegem o direito autoral. Pressionam as autoridades para que, como ocorre nos EUA, regulamentem a banda larga de modo a impedir as práticas discriminatórias e ampliar a competição. Requerem ao Ministério Público ação decisiva para que empresas produtoras de jornalismo e entretenimento na internet se ajustem à exigência, expressa no artigo 222 da Carta, de que 70% do controle do capital esteja com brasileiros.

A Folha se associa ao movimento não apenas no intuito de defender as balizas empresariais do jornalismo independente, apartidário e crítico que postula e pratica. Empunha a bandeira porque está em jogo o direito do cidadão de conhecer a verdade, de não ser ludibriado por governos ou grupos econômicos que ficaram poderosos demais.


Comentário de Nassif

Chega-se, finalmente, ao objetivo final do processo que explica o comportamento da mídia a partir de 2005, a politização descabida, as tentativas sucessivas de golpes políticos, os assassinatos de reputação de políticos, juízes, jornalistas. E para quê? Para se chegar ao embate final com pouquíssimos aliados. Esse acanalhamento do exercício do jornalismo fez com que a credibilidade da mídia atingisse o ponto mais baixo da história, viabilizasse outras alternativas no mercado de opinião.

Agora, qual a bandeira legitimadora para suas pretensões? A de que a mídia é a garantidora da liberdade de informação? Piada.

Esse mesmo álibi canhestro foi utilizado por Roberto Civita para tentar me convencer a aceitar o acordo com a Veja no final do ano passado. A revista passou todo o ano utilizando o jornalismo de esgoto para os ataques mais sórdidos, abjetos, não respeitando sequer família. E vinha o enviado especial dele trazendo o recado de que deveria aceitar o acordo em nome da liberdade de imprensa.

Conto apenas o meu caso. Como o meu, teve inúmeros. Em 2005, em entrevista ao Vermelho cunhei a expressão “o suicídio da mídia”, para descrever essa caminhada irreversível em direção ao fundo do poço. Agora, a mídia se posiciona para a grande batalha contra os portais e os grupos externos. Quem acredita nela?

Qual o direito de conhecer a verdade que a Folha propõe? A ficha falsa de Dilma? Os arreglos com Daniel Dantas? A série sistemática e diária de matérias falsas, manipuladas, a deslealdade reiterada contra seus próprios jornalistas que não seguiram a cartilha?

O futuro chegou e bandeiras que, antes, poderiam ser legítimas, ou estão rotas, puídas, desmoralizadas. Haverá uma grande batalha futura, contra os supergrupos que irão entrar no mercado. Mas dela não participará mais a velha mídia, que ficará restrito ao mundo fictício que ela próprio criou.

domingo, 4 de outubro de 2009

Rio 2016: Um retrato da Oposição

Do Blog do Nassif: Sim, nós podemos

Do Último Segundo
Coluna Econômica – 04/10/2009

Estava almoçando com um amigo banqueiro quando veio a notícia de que o Rio de Janeiro havia sido escolhido cidade-sede das próximas Olimpíadas. Mandou abrir um vinho em comemoração. De manhã, um funcionário dele, em Copenhagem, mandou email informando que na cidade só se falava em Lula, uma euforia completa apenas pela presença de Lula por lá.
No restaurante, as mesas comemoraram pedindo vinhos e champagnes. Nas ruas, uma população orgulhosa do feito brasileiro. No Blog, centenas de comentários de leitores orgulhosos de serem brasileiros, finalmente orgulhosos de serem brasileiros, repito.
Chego no escritório, ligo a Internet e procuro o vídeo com o discurso de Lula, defendendo a candidatura do Rio e, depois, com Lula com os olhos marejados falando de sua maior especialidade: o modo de ser brasileiro. Tecendo loas ao Brasil, ao Rio, à ginga, à alma brasileira.
E me espanto de como é possível que parte da opinião pública ainda não tenha se dado conta da dimensão política global de Lula. Ele se tornou um dos governantes paradigmáticos do maior processo de transformações que a humanidade atravessa desde o pós-guerra.
***
A população pobre, que era custo, hoje se tornou o grande ativo dos emergentes China, Índia e Brasil. Lula representa não apenas a história de sucesso do operário que chegou a presidente. O polonês Lech Walesa também teve esse papel e não passou de mera curiosidade histórica. Já Lula tem desempenhado um papel civilizatório inimaginável.
Assumiu um país exaurido pela insensibilidade social, liderando um continente propenso a exageros populistas históricos, como contraposição aos exageros liberais. Globalmente, o fracasso das políticas neoliberais projetou uma sombra de xenofobia, intolerância e radicalização sobre todos os continentes.
Foi nesse ambiente propício à radicalização que Lula projetou sua imagem de pacificador, de agente do processo civilizatório mundial.
Com a mesma bonomia com que trata seus adversários políticos no Brasil, ou como tratava os peões de fábrica no ABC, ajudou a criar uma alternativa democrática no continente, orientando Evo Morales, contendo os arroubos de Hugo Chávez, tornando-se a esperança do Ocidente de manter uma porta aberta com o Irã.
Quando leva Obama para uma sala para explicar, em um bate-papo, como agir no caso do Irã, o severino retirante se despe de toda liturgia do cargo, dos tremeliques da diplomacia, usa a linguagem tosca e direta com que as pessoas normais se comunicam e ajuda a desenhar a nova diplomacia mundial. E com a cara do Brasil, a afetividade do Brasil, alisando as pessoas, tratando-as com o carinho brasileiro.
Na coletiva que deu após a escolha do Rio, a profissão de fé no Brasil entrará para a história. O orgulho de ser brasileiro, o “sim, nós podemos” entra definitivamente para o repertório brasileiro do século 21, do mesmo modo que JK empurrou o país com seu otimismo e sua genuína crença no valor do brasileiro.
Daqui a vinte anos, quando o país estiver definitivamente entronizado no panteão dos grandes países do mundo, será mais fácil avaliar a verdadeira dimensão de Lula, como o grande timoneiro dessa travessia.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Do Blog do Leandro Fortes: O Rio deve essa a Lula

Lula poderia ter agido, como muitos de seus pares na política agiriam, com rancor e desprezo pelo Rio de Janeiro, seus políticos, sua mídia, todos alegremente colocados como caixa de ressonância dos piores e mais mesquinhos interesses oriundos de um claro ódio de classe, embora mal disfarçados de oposição política. Lula poderia ter destilado fel e ter feito corpo mole contra o Rio de Janeiro, em reação, demasiada humana, à vaia que recebeu – estranha vaia, puxada por uma tropa de canalhas, reverberada em efeito manada – na abertura dos jogos panamericanos, em 2007, talvez o maior e mais bem definido ato de incivilidade de uma cidade perdida em décadas de decadência. Vaiou-se Lula, aplaudiu-se César Maia, o que basta como termo de entendimento sobre os rumos da política que se faz e se admira na antiga capital da República. Fosse um homem público qualquer, Lula faria o que mais desejavam seus adversários: deixaria o Rio à própria sorte, esmagado por uma classe política claudicante e tristemente medíocre, presa a um passado de cidade maravilhosa que só existe, nos dias de hoje, nas novelas da TV Globo ambientadas nas oníricas ruas do Leblon.

Lula poderia ter agido burocraticamente a favor do Rio, cumprido um papel formal de chefe de Estado, falado a favor da candidatura do Rio apenas porque não lhe caberia falar mal. Deixado a cidade ao gosto de seus notórios representantes da Zona Sul, esses seres apavorados que avançam sinais vermelhos para fugir da rotina de assaltos e sobressaltos sociais para, na segurança das grades de prédios e condomínios, maldizer a existência do Bolsa Família e do MST, antros simbólicos de pretos e pobres culpados, em primeira e última análise, do estado de coisas que tanto os aflige. Lula poderia ter feito do rancor um ato político, e não seria novidade, para dar uma lição a uma cidade que o expôs e ao país a um vexame internacional pensado e executado com extrema crueldade por seus piores e mais despreparados opositores.

Mas Lula não fez nada disso.

No discurso anterior à escolha do Comitê Olímpico Internacional, já visivelmente emocionado, Lula fez o que se esperava de um estadista: fez do Rio o Brasil todo, o porto belo e seguro de todos os brasileiros, a alma da nacionalidade. Foi um ato de generosidade política inesquecível e uma lição de patriotismo real com o qual, finalmente, podemos nos perfilar sem a mácula do adesismo partidário ou do fervor imbecil das patriotadas. Lula, esse mesmo Lula que setores da imprensa brasileira insistem em classificar de títere do poder chavista em Honduras, outra vez passou por cima da guerrilha editorial e da inveja pura e simples de seus adversários. Falou, como em seus melhores momentos, direto aos corações, sem concessões de linguagem e estilo, franco e direto, como líder não só da nação, mas do continente, que hoje o saúda e, certamente, o aplaude de pé.

Em 2016, o cidadão Luiz Inácio da Silva terá 71 anos. Que os cariocas desse futuro tão próximo consigam ser generosos o bastante para também aplaudi-lo na abertura das Olimpíadas do Rio, da qual, só posso imaginar, ele será convidado especial.

domingo, 30 de agosto de 2009

Saiu no Vermelho: Planos antidemocráticos de Serra para o pré-sal?

30 DE AGOSTO DE 2009 - 3H34

Planos antidemocráticos de Serra para o pré-sal?

Segundo afirma o colunista Kennedy Alencar, na Folha de S.Paulo deste domingo (30), "o governador José Serra tem dito em conversas reservadas que as regras propostas por Lula [para o petróleo do pré-sal] poderão ser modificadas pelo próximo presidente da República". Ou seja, por ele, Serra, que imaginaria até que as regras "poderiam ser alteradas por medida provisória". Pergunta: e onde fica a democracia?

Por Bernardo Joffily

Kennedy Alencar parece não se dar conta – ou pelo menos não passa recibo – da truculência da hipótese que descreveu. Se não, vejamos.

Lula pretende propor projetos de lei: três, talvez quatro, sobre o marco regulatório do petróleo do pré-sal. Eles tramitarão no Congresso. Serão debatidos na sociedade – que é tudo que o presidente quer, pois é o tipo de debate conveniente a quem pretende eleger o(a) sucessor(a).

Já Serra (Kennedy apresenta o tucano como "líder em todas as pesquisas sobre a sucessão presidencial de outubro de 2010"), diz, segundo o jornalista, "que, aprovadas as regras propostas por Lula, elas poderiam ser alteradas por medida provisória pelo futuro presidente. Não há decisão tomada, mas Serra cogita mudar as regras, caso seja eleito."

"O governador paulista – prossegue Kennedy – tem simpatia pelo modelo atual".

Que Serra tenha simpatias, é um direito. "É legítimo debater", escreve Kennedy. Mas um debate democraticamente submetido à sociedade, à cidadania e ao Parlamento, pode, depois de convertido em leis, ser revogado por uma simples canetada do – autopresumido – "próximo presidente da República"?

"É um debate legítimo", repete Kennedy. "O atual governo e o PSDB deveriam expor claramente quais são suas ideias sobre a forma de explorar o pré-sal. O debate está apenas começando do ponto de vista público. Os projetos de Lula vão sair do Palácio do Planalto para chegar ao Congresso Nacional. É uma riqueza imensa que está em jogo. É bom que cada ator político de peso revele suas verdadeiras intenções."

Tudo bem, é sensato esse raciocínio de Kennedy. Mas não "é bom" nem democrático que um dos atores cogite de tratorar o resultado do debate legítimo caso venha a empunhar a caneta capaz de assinar medidas provisórias.

Compreende-se e desculpa-se que Serra, como presidenciável da oposição, torça o nariz para o fato do pré-sal ter sido descoberto e estar tendo seus parâmetros de exploração no governo Lula. Afinal, lembra Kennedy, "é uma riqueza imensa".

Mas a hora de Serra expor o que defende para o pré-sal é agora, a partir desta segunda-feira, 31 de agosto, ou, se tiver pressa, no jantar com Lula esta noite no Palácio da Alvorada. De qualquer modo, é junto com a sociedade e o Legislativo. Não depois que o debate tiver se concluído. E nunca a canetaços de medida provisória – um recurso que em tese estaria à disposição de Lula, mas que este descartou por respeito à necessidade de discutir da forma mais ampla, democrática e exaustiva possível o que a nação deve fazer com a "riqueza imensa" do pré-sal.


Do Vermelho: Uma imprensa antidemocrática

30 DE AGOSTO DE 2009 - 11H38

Mauricio Dias: Uma imprensa antidemocrática

A imprensa brasileira tem sido adversária histórica das instituições representativas do País.” Essa frase, um dos mais duros veredictos já feitos sobre a imprensa brasileira, é de Wanderley Guilherme dos Santos, professor aposentado de teoria política da UFRJ, fundador do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj) da Universidade Candido Mendes, e consagrado pela Universidade Autônoma do México, em 2005, um dos cinco mais importantes cientistas políticos da América Latina.

Ela é parte do começo de uma conversa em torno da histórica tendência golpista da imprensa brasileira, que começa assim: “Com o fim da Segunda Guerra Mundial terminou também o Estado Novo brasileiro, ditadura civil que se iniciara em 1937. No mundo todo, mas em particular no Brasil, as elites políticas tradicionais se viram acompanhadas por um eleitorado em torno de 7 milhões, mais de dez vezes superior ao da Primeira República, e um movimento sindical legalizado e participante de algumas estruturas estatais, como os institutos de pensões e aposentadorias dos trabalhadores urbanos”.

Segundo ele, a imprensa brasileira “sem embargo da retórica democrática”, tornou-se a principal adversária das instituições representativas.

“A exemplo de toda a imprensa, denominada grande, latino-americana, “jamais hesitou em apoiar todas as tentativas de golpe de Estado, quando estas significavam a derrubada de presidentes populares ou o fechamento de congressos de inclinação mais democrática”, denuncia Wanderley Guilherme.

“No Brasil – prossegue –, não existe um só jornal de grande circulação que se posicione a favor dos respectivos congressos nacionais, nas esparsas ocasiões em que estes parecem funcionar.”

Por outro lado, ele anota que “toda vez que a direita recrudesce nas urnas, sempre encontra a simpatia midiática”.

“No Brasil, o único período em que o governo contou com o respaldo de algum jornal de certa respeitabilidade foi durante o segundo governo Vargas, com a Última Hora. Não houve um único jornal popular, de grande circulação no Brasil, durante esse período”, diz Wanderley Guilherme.

Última Hora também foi o único reduto jornalístico contra o golpe de 1964, que toda a mídia apoiou. Sem qualquer constrangimento.

Conceitualmente, ele lembra, a imprensa, além de ser um instrumento de difusão de informação e análise, é um ator político “na medida em que forma opinião, agenda demandas e que, eventualmente, beneficia ou cria obstáculos para governos”.

Wanderley Guilherme comenta: “A imprensa brasileira exerce, e tem todo o direito, de ter opinião e preferências políticas. No Brasil, no entanto, ela diz que apenas retrata a realidade. É falso. Há muito da realidade que não está na imprensa e há muito do que está na imprensa que não está na realidade”.

Não é novidade no mundo democrático. Novidade, como explica Wanderley Guilherme, é presumir e passar a impressão de que isso não acontece.

“A imprensa brasileira não tolera a ideia de governos independentes, autônomos em relação às suas campanhas. Isso implica um caminho de duas mãos. Significa que ela terá de sobreviver sem os governos. Então, é preciso que os governos precisem dela”, conclui.

É um retrato do momento que o Brasil atravessa no alvorecer do século XXI.

sábado, 22 de agosto de 2009

MINO CARTA: A FARSA DE LINA VIEIRA

À ficção, sempre

21/08/2009 16:43:36

Mino Carta, na Carta Capital

A bem de razoável sossego entre o fígado e a alma, há muitos anos evito a leitura da imprensa nativa. Há, porém, quem me informe a respeito dos fatos, bem como das peças de humorismo semeadas ao longo das páginas dos jornalões, algumas representadas pelos editoriais. Estas não deixo escapar.

Terça 18 coube ao primeiro editorial da Folha de S.Paulo precipitar minha diversão. Assunto: a situação dos pré-candidatos às eleições de 2010 na pesquisa Datafolha, a registrar que Dilma Rousseff, “a aspirante inventada por Lula”, estacionou em 16%. E veio o momento da hilaridade com as linhas finais, quando o editorialista vaticina “a retomada da frenética fanfarra eleitoral em torno da ministra Dilma Rousseff, sob os mais variados pretextos”.

Ouço os trombones, as tubas, os tambores, e encaro as manchetes das primeiras páginas dos jornalões de quarta 19. Fanfarras eleitorais são sempre a favor ou contra. A ex-secretária da Receita Federal dona Lina Vieira ganhou fotos rasgadas e a concorde glorificação de seu desafio à ministra da Casa Civil e ao próprio presidente da República, que a convidara a exibir sua agenda para provar o célebre encontro. Segundo Folha e Globo, diante da Comissão de Constituição e Justiça do Senado dona Lina disse ter sido submetida a “ingerência desnecessária e descabida”, enquanto, segundo o Estado, o pedido de dona Dilma para “agilizar” o processo Sarney foi simplesmente “incabível”.

O depoimento da ex-secretária foi oferecido à visão do Brasil pela televisão. As manchetes e respectivas chamadas das primeiras páginas não correspondem, no entanto, ao que se viu, para o pasmo dos telespectadores, entre os quais nos colocamos. Resta o esforço patético de transformar dona Lina em misto de diva e heroína, e de construir para dona Dilma a fama de mentirosa. Ao clamor da fanfarra, tal é o edito da mídia nativa, o decreto, na óbvia, desbragada demonstração das manhas midiáticas e do pentagrama de quem, de fato, dirige a banda. Ao menos, a do contra.

Não cabe aqui entrar em pormenores, reservados a texto específico na seção Seu País. Limito-me a buscar incentivos, impulsos, patrocínios ao bom humor, proporcionados de graça por algumas passagens dos nossos jornalões. Por exemplo, pela campanha do Estadão contra certas façanhas imobiliárias do senador José Sarney.

O Zé nacional, como diriam os franceses, é figura muito simpática. Falo do indivíduo, o bom contador de histórias e seresteiro inspirado. Isto vale para quem o conhece bem, na intimidade. Parece, contudo, que somente agora os barões midiáticos descobriram o senhor feudal e o político oportunista, o serviçal da ditadura e o tíbio presidente que ganhou o quinto ano de mandato no grito. O então ministro do Exército, o inolvidável general Leônidas, tinha voz de barítono.

Pois é, o general Leônidas, grande amigo dos senhores globais, como também o era, naquele tempo, o próprio presidente, cujo ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, empenhava-se a fundo para embelezar, digamos assim, a Vênus Platinada.

Já o Estadão, que compartilhou com Sarney a fé udenista, encasqueta nestes dias com certas propriedades do ex-presidente, entre elas um apartamento paulistano em outros tempos habitado por um filho, então estudante universitário em São Paulo. Sarney declara em plenário que o apartamento tem 85 metros quadrados de área útil, o jornal clama: mentira! Pois o imóvel tem 112 metros quadrados. Há limites para tamanho espanto? Quanto a mim, padeço de outros espantos.

Aos meus perplexos botões, pergunto: que passa entre o fígado e a alma (a eterna área miasmática) de um titular de carteirinha de jornalista na hora de sujeitar-se ao ridículo para obedecer à vontade do patrão? Ou de esquecer a verdade factual para dedicar-se à ficção, imaginosa, porém daninha, e conformada aos desígnios dos predadores? Ora, daninha... Por duas razões. Primeira, pois nega a profissão de fé jornalística. Segunda, porque não aproveita ao gênero humano e à cidadania nacional. Ou não seria o caso de preocupar-se com o gênero humano e a cidadania nacional?

Penso naqueles que se prestam ao jogo destes mesmos barões, prontos outrora, por exemplo, a implorar a intervenção dos seus gendarmes para desfechar o golpe de 1964. E também naqueles que chamaram de revolução um regime disposto às mais hediondas violências em nome dos interesses da exígua minoria privilegiada e que tranquilamente aceitaram, quando não celebraram, a derrota das Diretas Já. E ainda naqueles que desde 1989 manobram, cada qual dentro do seu espaço, contra representante autorizado e convincente da maioria acuada, aturdida, basicamente infeliz.

Que vai pelas entranhas destas figuras? Até onde chega o servilismo? Até onde se dobra a genuflexão? Só mesmo a escrita dos grandes pesquisadores d’alma para expor tanta vileza. E noutro dia recordei Nelson Rodrigues, foi quando me deparei com o olhar de Fernando Collor, a invectivar contra Pedro Simon. Eis aí, murmurei aos costumeiros, inevitáveis botões, ao descrever os olhos rútilos (rútilo, adjetivo perfeito) do cafajeste Palhares enquanto observava o andar da cunhada, Nelson Rodrigues já profetizava o caçador de marajás.

A miséria moral dos sabujos da mídia está escrita em algum canto, e tenho a definitiva certeza de que Dante não os omitiu da lista dos condenados. Só resta investigar qual seria, exatamente, a bolgia a eles destinada. A dos mentirosos, onde aliás estaciona Ulisses, o Odisseu, por causa do inesquecível cavalo de madeira, é recanto aprazível demais para a turma.

Cidadãos comuns imaginam o óbvio para explicar quem se curva, a partir da crença de que, na origem, havia uma fé. Um sonho, ou uma ambição, a sombra de um propósito respeitável, de um desenho ético. Quem sabe não houvesse. Digamos, porém, que sim: havia. E se for, por que foi traído? Daí o óbvio: esmigalha-se o sonho em nome do alpinismo carreirístico. E se, de supetão, você se convencesse, até a medula, que o patrão é irretorquível dono da verdade?

Não excluo a possibilidade de que haja entre os meus colegas convictos, sinceros partícipes das visões patronais. Antes estavam na contramão do empregador, de súbito, ou aos poucos, soçobraram diante da luz que os cegava, como Saulo a caminho de Damasco. Creio que para descrever situações deste alcance seria preciso convocar Dostoievski. Donde, abstenho-me de prosseguir. Admito, entretanto, a chance da simbiose. Por exemplo: o doutor Roberto (Marinho, e quem mais?) acreditou cegamente na funcionária Miriam Leitão quando, à sombra da campanha eleitoral de Fernando Henrique Cardoso em 1998, afirmava em sua coluna que o Real era intocável por direito divino e, portanto, fernandista.

Trata-se de um episódio antigo. Agora o assunto é outro, na praça se estabelece a fanfarra. Nem por isso nos livramos da mesmice. Ela mesma, no entanto, perde peso e valor. De comédia se tornou farsa, agora é ópera-bufa, alcançará a bolha de sabão, e sem razão para o mais pálido sorriso. A mídia, tadinha, por mais óbvia, não consegue entender a obviedade. Ela já não chega onde pretende, é arquiteta de factoides.

Não me canso de repetir: o Brasil é o único país do mundo que conheço onde os jornalistas chamam o patrão de colega e o sindicato até se prontifica a entregar-lhe a carteirinha.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Luis Carlos Azenha: OPINIÃO

Lula tem a caneta. Na hora agá, isso decide

Atualizado em 11 de agosto de 2009 às 20:23 | Publicado em 11 de agosto de 2009 às 19:42

por Luiz Carlos Azenha

O objetivo desse texto é "cair na real". É não permitir que você, meu caro internauta, acredite que o Viomundo representa mais que um "nicho de mercado", uma de várias Kombis que passeiam por aí.

Do ponto-de-vista meramente político, o presidente Lula acertou plenamente nas escolhas que fez nas últimas semanas. Ficou com o PMDB e com Sarney. Ficou com a máquina capaz de fazer da candidata dele, Dilma, a futura presidente do Brasil.

Os tucanos e os demos fazem um discurso hipócrita. Eles mesmos sabem que o discurso é hipócrita. O que eles estão tentando fazer é enganar o incauto, aquele que realmente acredita que tucanos e demos estão "enojados" com a corrupção no Senado. Ou seja, uma parcela da classe média metropolitana, aquela que acha a política "um nojo".

Essa classe média, sabemos, não decide eleição no Brasil. Caso contrário, em 2006 teria eleito o almofadinha Geraldo Alckmin. Gostemos ou não, chiemos ou não, o fato concreto é que quem elege o presidente do Brasil é a grande massa de brasileiros que está na classe média baixa.

É gente que identifica quase que por uma sensação epidérmica quem é que defende os interesses dela. E a pretensão dos tucanos e dos demos de representá-la, usando a Folha e a Veja como veículos preferencias dos pobres, é simplesmente patética.

Lula tem a caneta. E ele aplica a caneta no que realmente conta: no reajuste dos benefícios do Bolsa Família, no reajuste dos aposentados, nos reajustes do salário mínimo e nas obras do PAC.

Desculpem, eleitores da Marina Silva. Sei que muitos de vocês são leitores deste site. Mas não quero ser cúmplice dessa enganação de pretender que ela tem "entrada" além da classe média. Não tem. Nem ela, nem José Serra. Não há nada no horizonte que desfaça minha impressão de que em 2010 teremos uma eleição plebiscitária. É Lula contra os inimigos de Lula. E, com a retomada do crescimento econômico, não vejo como será possível derrotar a candidata do Lula.

Sei que muitos eleitores à esquerda vão ficar pês da vida. Mas não dá para ficar com wishfull thinking. A realidade política é que Sarney rende mais votos que Suplicy. Simples assim.

PS: Lula não gasta capital político no que não é essencialmente fundamental para a manutenção de seu projeto político. É isso o que enlouquece tanto a direita quanto a esquerda.

domingo, 9 de agosto de 2009

O Globo, coronelismo de terceira, jornalismo de quê?

Na edição desta sexta-feira, 7/08, O Globo talvez tenha produzido um dos editoriais mais claros quanto aos seus curiosos códigos deontológicos. Com o sugestivo título “O inexplicável", o jornal deixa claro que sua única linha atualmente é a falta de linha. Uma aula de como o partidarismo e o panfletarismo inconseqüente intervêm no discurso dos principais colunistas e repercutem na cobertura, da pauta à edição final.

Assim, quando pressionado por circunstâncias políticas que ameaçam deslegitimá-lo como aparelho ideológico, os editorialistas do veículo reutilizam velhos fragmentos de suas mitologias mais surradas e de escolhas temáticas recorrentes para alcançar o objetivo indisfarçável: a pauta é atingir o governo Lula de todas as formas, inclusive se isso custar a carreira política de um associado e aliado histórico chamado José Sarney.

No primeiro parágrafo, lemos um texto que funciona como burca, filtrando verdades que se exibem aos olhos: "A patética defesa apresentada pelo presidente do Senado, José Sarney, no plenário da Casa, na quarta-feira, e o início da encenação da farsa montada no Conselho de Ética (sic) para recusar sem qualquer investigação as denúncias e representações contra o político maranhense são mais um ato da operação político-eleitoral do Planalto, cujo desfecho será a incineração do Senado como instituição em nome do projeto lulista para 2010."

Todos sabem que jornais selecionam, organizam e hierarquizam os acontecimentos, mas o trecho transcrito parece não deixar dúvidas sobre como deve funcionar uma redação empenhada, acima de tudo, em impedir a aliança PT- PMDB, inviabilizando a candidatura da ministra Dilma Rousseff. Mais que o espaço de opinião do jornal, o editorial de O Globo funciona com memorando interno, uma circular para lembrar aos seus funcionários como explicar e traduzir a vontade de quem lhes paga o salário. Aos recalcitrantes, a demissão é uma certeza.

É preciso repetir diariamente que uma eventual vitória da candidata petista implicaria a desmoralização das instituições políticas, a balbúrdia civil, a permanência da ameaça do controle estatal e censor dos meios de comunicação, além da continuação do distributivismo que ignora os preceitos neoliberais, promovendo a “gastança pública desenfreada”.

O que importa é salvar a oposição de sua falta de projetos, fazendo com que o noticiário editorializado tenha eficácia probatória suficiente para fazer de qualquer Conselho de Ética que não o subscreva a encenação de uma farsa. Nesse contexto, cabe a pergunta: será que a incineração do Senado é uma operação do Planalto ou a combustão é produzida por conglomerados midiáticos com recursos e mão-de-obra qualificada para os custos elevados da operação?

Na página 3, a matéria “Cangaceiro de 3ª classe, coronel de merda", assinada por Maria Lima, Isabel Braga e Leila Suwwan, trata do confronto entre os senadores Renan Calheiros (PMDB) e Tasso Jereissati (PSDB) no plenário do Senado, concluindo que "a sessão mostrou que Sarney perdeu as condições de conter a onda crescente de ameaças e intimidações na Casa". Mostrou "Como"? “Por quê"? “Para quem"? As jornalistas têm o direito de criar “fatos", registrá-los como premissas evidentes por si mesmas? Ou não estamos diante de um relato jornalístico, mas de peça que atende aos interesses dos proprietários e seus sócios mais notórios?

Voltando ao editorial, o início do quarto parágrafo demonstra como o jornalismo global brinca com as palavras, produzindo um conteúdo que pode se voltar contra a própria Organização ao qual está subordinado

"O nepotismo, e não apenas no caso do senador, segue em paralelo ao patrimonialismo - a apropriação privada de recursos públicos"

Alguém precisa lembrar aos editorialistas que em casa de enforcado não se fala em corda. Como bem registra Altamiro Borges, em seu excelente “A ditadura da mídia”,” na lógica patrimonialista vigente do país, instituiu-se um tipo de coronelismo eletrônico que atrela setores do Executivo e do Legislativo às redes de comunicação". É conhecida a força da Globo, que, desde a ditadura militar, tem no Ministério das Comunicações sua província. Um aparelhamento de tal monta que impede a reformulação de uma política no setor, impedindo, entre outras coisas, a adoção de um modelo de televisão digital que democratize a comunicação no país.

É preciso uma ação articulada para evitar que esse tipo de jornalismo crie um sistema político onde a democracia só existirá como o mito de almas heróicas isoladas, como história penetrada de falsas moralidades devidamente blindadas por zelosos funcionários da imprensa.

Quando encerrávamos esse artigo, o portal do Globo tinha como destaque a seguinte chamada: "Simon culpa Lula por crise do Senado". A sintonia entre o senador de ética maleável e o editorial de O Globo é tão intensa que é legítimo indagar: Quem trabalha para quem? Quem é abastecido por uma narrativa classista, partidária e facciosa? De onde partem os tão propalados métodos da máfia napolitana? Um estudo sobre técnicas de edição e certo tipo de prática parlamentar oferece resposta às questões formuladas.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso, no Rio de Janeiro.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Padrões de manipulação na grande imprensa

Significado político da manipulação na grande imprensa

por Perseu Abramo *

1. A MANIPULAÇÃO

Uma das principais características do jornalismo no Brasil, hoje, praticado pela maioria da grande Imprensa, é a manipulação da informação.
O principal efeito dessa manipulação é que os órgãos de imprensa não refletem a realidade. A maior parte do material que a Imprensa oferece ao público tem algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indireta. É uma referência indireta à realidade, mas que distorce a realidade. Tudo se passa como se a Imprensa se referisse à realidade apenas para apresentar outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade artificial, não-real, irreal, criada e desenvolvida pela Imprensa e apresentada no lugar da realidade real. A relação que existe entre a Imprensa e a realidade é parecida com a que existe entre um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como também não é a sua imagem: é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real.
Assim, o público — a sociedade — é cotidiana e sistematicamente colocado diante de uma realidade artificialmente criada pela Imprensa e que se contradiz, se contrapõe e freqüentemente se superpõe e domina a realidade real que ele vive e conhece. Como o público é fragmentado no leitor ou no telespectador individual, ele só percebe a contradição quando se trata da infinitesimal parcela de realidade da qual ele é protagonista, testemunha ou agente direto, e que, portanto, conhece. A imensa parte da realidade ele a capta por meio da imagem artificial e irreal da realidade criada pela Imprensa; essa é, justamente, a parte da realidade que ele não percebe diretamente, mas aprende por conhecimento.
Daí que cada leitor tem, para si, uma imagem da realidade, que na sua quase totalidade, não é real. É diferente e até antagonicamente oposta à realidade. A maior parte dos indivíduos, portanto, move-se num mundo que não existe, e que foi artificialmente criado para ele justamente a fim de que ele se mova nesse mundo irreal.
A manipulação das informações se transforma, assim, em manipulação da realidade.

2. OS PADRÕES DE MANIPULAÇÃO
A manipulação da realidade, pela Imprensa, ocorre de várias e múltiplas formas. É importante notar que não é todo o material que toda a Imprensa manipula sempre. Se fosse assim — se pudesse ser assim — o fenômeno seria autodesmistificador e autodestruidor por si mesmo, e sua importância seria extremamente reduzida ou quase insignificante. Também não é que o fenômeno ocorra uma vez ou outra, numa ou noutra matéria de um ou outro jornal; se fosse esse o caso, os efeitos seriam igualmente nulos ou insignificantes.
A gravidade do fenômeno decorre do fato de que ele marca a essência do procedimento geral do conjunto da produção cotidiana da Imprensa, embora muitos exemplos ou matérias isoladas possam ser apresentados para contestar a característica geral.
Essa característica geral pode ser observada quando se procura tipificar as formas mais usuais de manipulação. E isso permite falar em Padrões de Manipulação observáveis na produção jornalística. Os padrões devem ser tomados como padrões, isto é, como tipos ou modelos de manipulação, em torno dos quais gira, com maior ou menor grau de aproximação ou distanciamento, a maioria das matérias da produção jornalística.
É possível distinguir e observar, portanto, pelo menos 4 padrões de manipulação gerais para toda a Imprensa e mais um específico para o Telejornalismo, e que a seguir vão delineados.
2.1. Padrão de Ocultação - É o padrão que se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da Imprensa. Não se trata, evidentemente, de fruto do desconhecimento, e nem mesmo de mera omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade. Esse é um padrão que opera nos antecedentes, nas preliminares da busca da informação. Isto é, no "momento" das decisões de planejamento da edição, da programação ou da matéria particular daquilo que na Imprensa geralmente se chama de pauta.
A ocultação do real está intimamente ligada àquilo que freqüentemente se chama de fato jornalístico. A concepção predominante — mesmo quando não explícita — entre empresários e empregados de órgãos de comunicação sobre o tema é a de que existem fatos jornalísticos e fatos não-jornalísticos. E que, portanto, à Imprensa cabe cobrir e expor os fatos jornalísticos e deixar de lado os não-jornalísticos. Evidentemente, essa concepção acaba por funcionar, na prática, como uma racionalização a posteriori do padrão de ocultação, na manipulação do real.
Ora, o mundo real não se divide em fatos jornalísticos e não-jornalísticos, pela primária razão de que as características jornalísticas, quaisquer que elas sejam, não residem no objeto da observação, e sim no sujeito observador e na relação que este estabelece com aquele. O "jornalístico" não é uma característica intrínseca do real em si, mas da relação que o jornalista — ou melhor, o órgão do jornalismo, a Imprensa — decide estabelecer com a realidade. Nesse sentido, todos os fatos, toda a realidade pode ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato independe das suas características reais intrínsecas, mas sim das características do órgão de imprensa, da sua visão de mundo, da sua linha editorial, do seu "projeto", enfim, como se diz hoje.
Por isso é que o Padrão de Ocultação é decisivo e definitivo na manipulação da realidade: tomada a decisão de que um fato "não é jornalístico", não há a menor chance de que o leitor tome conhecimento de sua existência, através da Imprensa. O fato real foi eliminado da realidade, ele não existe. O fato real ausente deixa de ser real para se transformar em imaginário. E o fato presente na produção jornalística, real ou ficcional, passa a tomar o lugar do fato real, e a compor, assim, uma realidade diferente da real, artificial, criada pela imprensa.
2.2. Padrão de Fragmentação - Eliminados os fatos definidos como não-jornalísticos, o "resto" da realidade é apresentado pela Imprensa ao leitor não como uma realidade, com suas estruturas e interconexões, sua dinâmica e seus movimentos e processos próprios, suas causas, suas condições e suas conseqüências. O todo real é estilhaçado, despedaçado, fragmentado em milhões de minúsculos fatos particularizados, na maior parte dos casos desconectados entre si, despojados de seus vínculos com o geral, desligados de seus antecedentes e de seus conseqüentes no processo em que ocorrem, ou reconectados e revinculados de forma arbitrária e que não corresponde aos vínculos reais, mas a outros ficcionais, e artificialmente inventados. Esse padrão também se operacionaliza no "momento" do planejamento da pauta, mas, principalmente no da busca da informação, na elaboração do texto, das imagens e sons, e no de sua apresentação, na edição.
O Padrão de Fragmentação implica duas operações básicas: a Seleção de Aspectos, ou particularidades, do Fato e a Descontextualização.
A Seleção de Aspectos do fato que é objeto da atenção jornalística obedece a princípios semelhantes aos que ocorrem no Padrão de Ocultação. Embora tenha sido escolhido como um fato jornalístico e, portanto, digno de merecer estar na produção jornalística, o fato é decomposto, atomizado, dividido, em particularidades, ou aspectos do fato, e a Imprensa seleciona os que apresentará ou não ao público. Novamente, os critérios para essa Seleção não residem necessariamente na natureza ou nas características do fato decomposto, mas sim nas decisões, na linha, no projeto do órgão de imprensa, e que são transmitidos, impostos ou adotados pelos jornalistas desse órgão.
A Descontextualização é uma decorrência da Seleção de Aspectos. Isolados como particularidades de um fato, o dado, a informação, a declaração, perdem todo o seu significado original e real, para permanecer no limbo, sem significado aparente, ou receber outro significado, diferente e mesmo antagônico ao significado real original.
A fragmentação da realidade em aspectos particularizados, a eliminação de uns e a manutenção de outros, e a descontextualização dos que permanecem, são essenciais, assim, à distorção da realidade e à criação artificial de uma outra realidade.
2.3. Padrão da Inversão - Fragmentado o fato em aspectos particulares, todos eles descontextualizados, intervém o Padrão da Inversão, que opera o reordenamento das partes, a troca de lugares e de importância dessas partes, a substituição de umas por outras e prossegue, assim, com a destruição da realidade original e a criação artificial da outra realidade. É um padrão que opera tanto no planejamento quanto na coleta e transcrição das informações, mas que tem seu reinado por excelência no momento da preparação e da apresentação final, ou da edição, de cada matéria ou conjunto de matérias.
Há várias formas de inversão. Freqüentemente muitas delas são usadas na mesma matéria; em quase todas as matérias ocorre uma ou outra inversão. As principais são:
2.3.1 - Inversão da relevância dos aspectos: o secundário é apresentado como o principal e vice-versa; o particular pelo o geral e vice-versa; o acessório e supérfluo no lugar do importante e decisivo; o caráter adjetivo pelo substantivo; o pitoresco, o esdrúxulo, o detalhe, enfim, pelo essencial.
2.3.2.- Inversão da forma pelo conteúdo: o texto passa a ser mais importante que o fato que ele reproduz; a palavra, a frase, no lugar da informação; o tempo e o espaço da matéria predominando sobre a clareza da explicação; o visual harmônico sobre a veracidade ou a fidelidade, o ficcional espetaculoso sobre a realidade.
2.3.3 - Inversão da versão pelo fato: não é o fato em si que passa a importar, mas a versão que dele tem o órgão de imprensa, seja essa versão originada no próprio órgão de imprensa, seja adotada ou aceita de alguém - da fonte das declarações e opiniões. O órgão de imprensa praticamente renuncia a observar e expor os fatos mais triviais do mundo natural ou social, e prefere, em lugar dessa simples operação, apresentar as declarações, suas ou alheias sobre esses fatos. Freqüentemente, sustenta as versões mesmo quando os fatos as contradizem. Muitas vezes, prefere engendrar versões e explicações opiniáticas cada vez mais complicadas e nebulosas a render-se à evidência dos fatos. Tudo se passa como se o órgão de imprensa agisse sob o domínio de um princípio que dissesse: se o fato não corresponde à minha versão, deve haver algo errado com o fato.
2. 3.3.1 - Um dos extremos desse Padrão de Inversão é o Frasismo, o abuso da utilização de frases ou de pedaços de frases sobre uma realidade para substituir a própria realidade. Acoplado às demais formas de manipulação - ocultação, fragmentação, seleção, descontextualização, várias inversões, etc. - o frasismo surge, assim, quase como a manipulação levada aos seus limites: uma frase, um trecho de frase, às vezes uma expressão ou uma palavra, são apresentadas como a realidade original. O abuso é tão excessivo que quase todos os grandes órgãos de Imprensa chegam a criar uma "seção de frases", isto 'é, uma realidade robótica, extraterrena, pura ficção - embora - e aí a gravidade da manipulação - parecendo-se ao máximo com a mais pura forma de realidade, porque, afinal, aquelas palavras foram ditas por aquelas pessoas e fielmente registradas, de preferência com gravador, e literalmente transcritas.
2. 3.3.2 - O outro extremo da inversão do fato pela versão é o Oficialismo, esta expressão aqui utilizada para indicar a fonte "oficial" ou "mais oficial" de qualquer segmento da sociedade, e não apenas as autoridades do Estado ou do Governo. No lugar dos fato uma versão, sim, mas de preferência, a versão oficial. A melhor versão oficial é a da autoridade, e a melhor autoridade, a do próprio órgão de imprensa. À sua falta, a versão oficial da autoridade cujo pensamento é o que mais corresponda à do órgão de imprensa, quando se trata de apresentar uma realidade de forma "positiva", isto é, de maneira a que o leitor não apenas acredite nela mas a aceite e adote. Caso contrário, a versão que mais se opõe à do órgão de imprensa. A autoridade pode ser o presidente da República, o governador do Estado, o reitor da Universidade, o presidente do Centro Acadêmico, do Sindicato, do partido Político ou de uma Sociedade de Amigos de Bairro. Ela sempre vale mais do que as versões de autoridades subalternas, sempre muito mais que a dos personagens que não detêm qualquer forma de autoridade e, evidentemente, sempre infinitamente mais do que a realidade. Assim, o Oficialismo se transforma em Autoritarismo.
2.3.4. - Inversão da Opinião pela Informação. A utilização sistemática e abusiva de todos esses padrões de manipulação leva quase inevitavelmente a outro padrão: o de substituir, inteira ou parcialmente, a informação pela opinião. Vejam bem que não se trata de dizer que, além da informação, o órgão de imprensa apresenta também a opinião, o que seria justo, louvável e desejável. Mas que o órgão de imprensa apresenta a opinião no lugar da informação, e com a agravante de fazer passar a opinião pela informação. O juízo de valor é inescrupulosamente utilizado como se fosse um juízo de realidade, quando não como se fosse a própria mera exposição narrativa/descritiva da realidade. O leitor/espectador já não tem mais diante de si a coisa tal como existe ou acontece, mas sim uma determinada valorização que o órgão quer que ele tenha de uma coisa que ele desconhece, porque o seu conhecimento lhe foi oculto, negado e escamoteado pelo órgão.
Essa inversão é operada pela negação, total ou quase total, da distinção entre juízo de valor e juízo de realidade, entre o que já se chamou de "gêneros jornalísticos", ou seja, de um lado a notícia, a reportagem, a entrevista, a cobertura, o noticiário, e, de outro, o editorial, o artigo, formas de apreensão e compreensão do real que, coexistentes numa mesma edição ou programação, completavam-se entre si e ofereciam ao leitor alternativas de formar sua (do leitor) opinião, de maneira autônoma e independente. Hoje, exatamente ao contrário, o fato é apresentado ao leitor arbitrariamente escolhido dentro da realidade, fragmentado no seu interior, com seus aspectos correspondentes selecionados e descontextualizados, reordenados invertidamente quanto à sua relevância, seu papel e seu significado, e, ainda mais, tendo suas partes reais substituídas por versões opiniáticas dessa mesma realidade.
O jornalismo, assim, não reflete nem a realidade nem essa específica parte da realidade que é a opinião pública ou do seu público. Ao leitor/espectador, assim, não é dada qualquer oportunidade que não a de consumir, introjetar e adotar como critério de ação, a opinião que lhe é autoritariamente imposta, sem que lhe sejam igualmente dados os meios de distinguir ou verificar a distinção entre informação e opinião. Esta se introduz sub-repticiamente no meio da matéria, substitui ou prepondera sobre a informação, e passa a ser não apenas o eixo principal da matéria, como a sua principal ou única justificativa de existência enquanto matéria jornalística, enquanto objeto de produção e de edição, apresentação e veiculação. A informação, quando existe, serve apenas de mera ilustração exemplificadora da opinião adrede formada e definida - a tese - e que, esta sim, se quer impor à sociedade.
Essa particular inversão da opinião sobre a informação pode às vezes assumir caráter tão abusivo e absoluto que passa a substituir a realidade real até aos olhos do próprio órgão de informação. Não é incomum perceber que, às vezes os responsáveis pelos órgãos cometem erros - aí, sim, involuntários - porque passaram a acreditar integralmente nas matérias do próprio órgão, sem perceber que elas não correspondem à realidade.
2.4. Padrão da Indução - É necessário repetir que os Padrões de Manipulação até aqui descritos não ocorrem necessariamente em todas as matérias de todos os órgãos impressos, auditivos ou televisivos, diariamente ou periodicamente nos órgãos e programas periódicos. É possível encontrar, diariamente, um grande número de matérias em que esses processos de manipulação não existam ou existam em grau mínimo; e, também, encontrar um certo número de matérias em que as distorções da realidade são frutos de erros involuntários ou de limitações naturais à capacidade de captar e transmitir informações sobre a realidade. É possível, até, que o número de matérias em que tal ocorra seja eventualmente superior ao das em que seja possível identificar a existência de padrões de manipulação. E, finalmente, deve-se levar em conta, também, a variação da intensidade de utilização da manipulação segundo o órgão em exame ou o assunto, tema ou "editoria" de cada órgão.
Mas o que torna a manipulação um fato essencial e característico da maioria da grande imprensa brasileira hoje é que a hábil combinação dos casos, dos momentos, das formas e dos graus de distorção da realidade submete, no geral e no seu conjunto, a população à condição de ser excluída da possibilidade de ver e compreender a realidade real e a consumir uma outra realidade, artificialmente inventada. É isso que eu chamo de Padrão de Indução.
Submetido, ora mais, ora menos, mas sistemática e constantemente, aos demais padrões de manipulação, o leitor é induzido a ver o mundo como ele não é, mas sim como querem que ele o veja. O Padrão de Indução é, assim, o resultado e ao mesmo tempo o impulso final da articulação combinada de outros padrões de manipulação dos vários órgãos de comunicação com os quais ele tem contato. O Padrão de Indução tem a ver, como os demais, com os processos de planejamento, produção e edição do material jornalístico, mas ultrapassa esses processos e abarca, ainda, os planos de apresentação final, no parque gráfico ou nas instalações, de radiodifusão, distribuição, índices de tiragem e audiência de publicidade, etc. - ou seja, os planos de produção jornalística como parte da Indústria Cultural e do empreendimento empresarial-capitalista.
A indução da outra realidade — diferente e até oposta à realidade real — é o fruto da manipulação do conjunto dos meios de comunicação, em que cada qual, individualmente, tem a sua parte, e em que, evidentemente a parte preponderante deve ser responsabilizada aos maiores meios de comunicação, isto é, aos mais poderosos, aos que têm maior tiragem e audiência, aos que têm e ocupam maiores espaços, aos que veiculam mais publicidade. Em outras palavras, aos melhores.
A indução se manifesta pelo reordenamento ou recontextualização dos fragmentos da realidade, pelo subtexto - aquilo que é dito sem ser falado - da diagramação e da programação, das manchetes, notícias e comentários, sons e imagens, pela presença/ausência de temas, segmentos do real, de grupos da sociedade e de personagens.
Alguns assuntos jamais, ou quase nunca, são tratados pela Imprensa, enquanto outros aparecem quase todo o dia. Alguns segmentos sociais são vistos pela Imprensa apenas sob alguns poucos ângulos, enquanto permanece na obscuridade toda a complexa riqueza de suas vidas e suas atividades. Alguns personagens jamais aparecem em muitos órgãos de comunicação, enquanto outros comparecem abusivamente, à saciedade, com uma irritante e enjoativa freqüência. Alguns aspectos são sistematicamente relembrados na composição das matérias sobre determinados grupos sociais mas igualmente evitados de forma sistemática quando se trata de outros. Depois de distorcida, retorcida e recriada ficcionalmente, a realidade é ainda assim dividida pela Imprensa em realidade do campo do Bem e realidade do campo do Mal, e o leitor/espectador é induzido a acreditar não só que seja assim, mas que assim será eternamente, sem possibilidade de mudança.
2.5. Padrão Global ou o Padrão Específico do Jornalismo de Televisão e Rádio - O jornalismo de radiodifusão (TV e Rádio) passa por todos os quatro tipos gerais de Padrões de Manipulação, mas ainda apresenta outro que lhe é específico. Embora haja pequenas diferenças entre o radiojornalismo e o telejornalismo, o Padrão Global é o mesmo para ambos, grosso modo. Vamos descrevê-lo sumariamente, tomando como ponto de referência o jornalismo de televisão.
A expressão global é aqui empregada com o sentido de total, completo ou "redondo", isto é, do problema à sua solução.
O Padrão Global se divide em três momentos básicos, como se fossem três atos de um espetáculo, de um jogo de cena:
1 - O Primeiro Momento, ou 1º Ato, é o da Exposição do Fato. Submetido a todos os padrões gerais de manipulação, o fato é apresentado sob os seus ângulos menos racionais e mais emocionais, mais espetaculares e mais sensacionalistas. As imagens e sons mostram o incêndio, a tempestade, a enchente, ou a convenção do Partido Majoritário, a passeata, a greve, o assalto, o crime, etc. As imagens são amparadas por textos lidos ou falados.
2 - O Segundo Momento, ou 2º Ato, é o da Sociedade Fala. As imagens e sons mostram detalhes e particulares, principalmente dos personagens envolvidos. Eles apresentam seus testemunhos, suas dores e alegrias, seus apoios e críticas, suas queixas e propostas.
3 - O Terceiro Momento, ou 3º Ato, é o da Autoridade Resolve. Se se trata de um Fato "Natural" (incêndio, tempestade, enchente), a autoridade (do Papa ou do Presidente da República ao guarda, nessa ordem) anuncia as providências, isto é, as soluções já tomadas ou prestes a serem tomadas. Se se trata de Fato Social (greve, passeata, reunião de partido, sessão do Parlamento, homicídio, assalto, etc.) a autoridade reprime o Mal e enaltece o Bem, e também anuncia as soluções já tomadas ou a tomar, para as duas situações. Nos dois casos, a autoridade tranqüiliza o povo, desestimula qualquer ação autônoma e independente do povo, mantém a autoridade e a ordem, submete o povo ao controle dela, autoridade.
É claro que pode haver variações, ampliação ou redução de momentos, maior ou menor amplitude de fatos, versões e opiniões diferenciadas, Mas a maior parte do noticiário de TV segue esse Padrão Global. E, freqüentemente, ao Terceiro Ato — o da Autoridade Resolve — segue-se um Epílogo, em que a própria Emissora, por seu apresentador ou comentarista, reforça o papel resolutório, tranqüilizador e alienante da autoridade; ou a substitui ou a contesta quando a mensagem da autoridade não é suficientemente controladora da opinião pública.
É óbvio que a retenção dessas imagens finais da notícia do telejornalismo é que vai subsistir, no telespectador, como a mensagem essencial da matéria, individualizada nas imagens iniciais, E, assim, o Padrão de Indução da outra realidade se completa e se reforça com o poderoso instrumento do radiojornalismo e do telejornalismo.
A transformação está completa. A realidade real foi substituída por outra realidade, artificial e irreal, anti-real, e é nesta que o cidadão tem que se mover e agir. De preferência, não agir!

3. OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE
O processo de manipulação da realidade é uma característica intrínseca ao jornalismo ou é a marca, apenas, de um tipo de jornalismo? Seria possível fazer um jornalismo não manipulador, ou que, pelo menos, minimizasse ao máximo a manipulação, de forma a reduzir drasticamente os seus efeitos, a torná-la apenas um fato ocasional e excepcional?
A resposta a essa questão passa pela discussão do tema da objetividade e da subjetividade no jornalismo.
Em primeiro lugar é necessário distinguir o conceito de objetividade de um conjunto de outros conceitos aos quais sempre aparece vinculado: neutralidade, imparcialidade, isenção, honestidade.
Há diferenças fundamentais entre a objetividade e os demais conceitos. Neutralidade, imparcialidade, isenção, honestidade, etc, são palavras que se situam no campo de ação. Dizem respeito aos critérios do fazer, do agir, do ser. Referem-se mais adequadamente a categorias de comportamento moral. Os próprios conceitos têm um caráter moralista e moralizante, e, quando conjugados aos seus antônimos, formam pares que tendem a nos convocar a um ajuizamento do tipo bom/mau, certo/errado, etc.
Com exceção do par honestidade/desonestidade — no qual o pressuposto é de que todos nós devamos sempre louvar o pólo positivo, bom, isto é, a honestidade — os demais requerem uma postura mais crítica, quando se trata de jornalismo.
Vejamos: é desejável, para um jornalista, para um órgão de comunicação, uma postura de neutralidade, imparcialidade ou isenção, no lugar de seu contrário, isto é, a tomada de posição? Na medida em que o jornalismo tem de tratar do mundo real, "natural" ou "histórico", e que esse mundo real é repleto de contradições reais, de conflitos, de antagonismos e de lutas, o que significa realmente ser neutro, imparcial ou isento? "Neutro" a favor de quem, num conflito de classes? "Imparcial" contra quem, diante de uma greve, da votação de uma Constituição? "Isento" para que lado, num desastre atômico ou num escândalo administrativo?
Assim é defensável que o jornalismo, ao contrário do que muitos preconizam, deve ser não-neutro, não imparcial e não isento diante dos fatos da realidade. E em que momento o jornalismo deve tomar posição? Na orientação para ação. O órgão de comunicação não apenas pode mas deve orientar seus leitores/ espectadores, a sociedade, na formação da opinião, na tomada de posição e na ação concreta enquanto seres humanos e cidadãos. É esse, exatamente, o campo do juízo de valor, do artigo de fundo, da opinião, do comentário, do artigo, do editorial.
O conceito de objetividade, porém, situa-se em outro campo, que não o da ação: situa-se no campo do conhecimento. A objetividade é uma categoria gnoseológica, epistemológica, mais que deontológica ou ontológica. A objetividade tem a ver com a relação que se estabelece entre o sujeito observador e o objeto observável (a realidade externa ao sujeito ou externalizada por ele), no momento do conhecimento. A objetividade não é um apanágio nem do sujeito nem do objeto, mas da relação entre um e outro, do diálogo entre sujeito e objeto; é uma característica, portanto, da observação, do conhecimento, do pensamento.
É claro que a objetividade — bem como o seu contrário, a subjetividade — não existe em absoluto e em abstrato. Entre a subjetividade e a objetividade existe uma gradação, em que os dois pólos indicam os limites tangenciais dessa gama variada e graduada. Da mesma forma, há sempre elementos de subjetividade na objetividade e de objetividade na subjetividade. Assim, nunca se é inteiramente subjetivo nem totalmente objetivo, na relação de apreensão e conhecimento do real. Mas é possível proceder mais ou menos objetivamente ou subjetivamente, e é esta noção que é fundamental reter: a da possibilidade concreta de buscar a objetividade e de tentar aproximar-se ao máximo dela.
Quais os requisitos para que essa possibilidade concreta se torne viável, se realize de fato?
Em primeiro lugar, no conhecimento mesmo dos limites e das condições da capacidade humana de apreender e captar o real, nas circunstâncias que influenciam a capacidade de observação, nos fatores que intervêm nas operações mentais do raciocínio, nas limitações da possibilidade de verbalização e de transmissão do apreendido. Quanto maior a capacidade de conhecer e colocar sob controle os fatores de subjetividade inerentes à relação sujeito- objeto, maiores as possibilidades de se aproximar de uma captação objetiva da realidade.
Em segundo lugar, na disposição de alcançar essa objetividade. Se se parte, apenas, da constatação de que a objetividade absoluta não existe e de que, portanto, não vale a pena procurar uma objetividade relativa, não se sairá jamais da mais completa subjetividade. Se se acredita que não existe qualquer possibilidade de obter a objetividade, chafurda-se, então, num mar de subjetividade, sem remissão. A volição, portanto, além do conhecimento e do autocontrole, é requisito básico.
Em terceiro lugar, o conhecimento da realidade é tanto mais objetivo quanto mais o sujeito observador não se prende às aparências, procura envolver totalmente o objeto da observação, busca seus vínculos com o todo ao qual pertence, bem como as interconexões internas dos elementos que o compõem, investiga os momentos antecedentes e conseqüentes no processo do qual o objeto faz parte, reexamina o objeto sob vários ângulos e várias perspectivas. Se o sujeito observador faz isso, tem grandes probabilidades de conhecer, com o máximo de objetividade possível, o objeto real em que está interessado. Se não faz, gradativamente cede terreno à subjetividade. Esta, é claro, prescinde desses requisitos e cuidados. No limite, a subjetividade prescinde do objeto. A objetividade, portanto, necessita de conhecimento, vontade, controle e método.
Existe, é claro, uma falsa objetividade, que pervagou por muito tempo manuais de jornalismo e mesmo certos jornais da grande imprensa. É uma objetividade falsa, não porque relativa, mas porque aparente e subjetiva. Esse método de objetividade restringe-se aos aspectos meramente aparentes e quantificáveis da realidade, aos dados mais flagrantes e numéricos, supondo, com isso, que assim vê objetivamente a realidade. Ora, nem toda a realidade é dimensionável, redutível a números, cifras, pesos, metros, quantias e quantidades, anos de idade e datas, etc. E freqüentemente os dados mais aparentes e espetaculares de uma realidade são também os mais irrelevantes e secundários. Esse tipo de falsa objetividade tornou-se tão abusivo e irracional que provavelmente provocou uma reação contrária igualmente irracional e abusiva, isto é, o abandono, a renúncia, a qualquer tentativa séria de procurar ver e descrever objetivamente a realidade. É necessário fazer a crítica da falsa objetividade e repor a discussão do tema em termos serenos, porém firmes, da metodologia do conhecimento sob uma abordagem lógica não convencional.
Voltando agora à questão inicial: é possível fazer jornalismo com o máximo possível de objetividade. Mais ainda, é desejável fazê-lo porque essa é a única forma de reduzir ao máximo o erro involuntário e impedir a manipulação deliberada da realidade.
O reino da objetividade é a informação, a notícia, a cobertura, a reportagem, a análise, assim como o reino da tomada de posição era a opinião, o comentário, o artigo, o editorial. É fundamental separar e distinguir informação de opinião, indicar as diferenças de conteúdo e forma dos gêneros jornalísticos, e apresentar toda a produção jornalística ao leitor/telespectador de forma a que ele perceba imediatamente o que é a exposição da realidade, e o que é ajuizamento de valor.

4. O SIGNIFICADO POLÍTICO DA MANIPULAÇÃO
Se é possível fazer jornalismo com objetividade, porque o jornalismo manipula a informação e distorce a realidade? Se é possível identificar e distinguir padrões reiterativos de manipulação, ela é fruto do erro involuntário, da causalidade excepcional ou das naturais limitações da capacidade de observação e conhecimento? Certamente não. A conclusão a que se pode chegar, pelo menos como hipótese de trabalho, é a de que a distorção da realidade pela manipulação da informação é deliberada, tem um significado e um propósito.
Não é necessário estender-se na demonstração de que, na sua imensa maioria, os principais órgãos de comunicação no Brasil de hoje são propriedade da empresa privada. Também não é necessário demonstrar o grau de controle que as empresas exercem sobre a produção, de onde é possível concluir que são os proprietários das empresas de comunicação os principais - embora não os únicos - responsáveis pela deliberada distorção da realidade pela manipulação das informações.
A discussão que deve ser feita, portanto, é a que possa nos levar a compreender porque os empresários da comunicação manipulam e torcem a realidade.
Uma das explicações para essa questão procura situar a raiz da resposta no campo econômico. E há duas vertentes para a explicação economicista do fenômeno. A primeira desloca para a figura do anunciante a responsabilidade última e maior pelo produto final da comunicação: segundo essa vertente, é por imposição — direta ou indireta — desse anunciante (privado ou estatal) que o empresário se vê obrigado a manipular e distorcer. A segunda vertente centra a explicação na ambição de lucro do próprio empresário de comunicação: ele distorce e manipula para agradar seus consumidores, e, assim, vender mais material de comunicação e assim aumentar seus lucros: a responsabilidade é do próprio empresário de comunicação, mas a motivação é econômica.
É bastante provável que ambos esses elementos entrem, em maior ou menor grau, no comportamento de grande parte das empresas de comunicação. Mas não parecem explicar todo o fenômeno. O peso de cada anunciante individual sobre o órgão de comunicação, ou mesmo de seu conjunto, é muito ponderável na pequena imprensa, naquela em que a manipulação surte menos efeito. Onde a manipulação impera é na grande imprensa, na que conta, como recriadora de uma realidade artificial, e, nessa, o peso econômico do anunciante, enquanto expressão editorial, é quase nulo ou bastante reduzido.
A ambição de lucro, por outro lado, não explica, por si só, a manipulação e a distorção. Em primeiro lugar porque muito provavelmente o empresário, no Brasil de hoje, teria mais possibilidades de obter lucros mais gordos e mais rápidos aplicando seu capital em outros ramos da Indústria, do Comércio ou das Finanças, e não precisaria investi-los na comunicação. Em segundo lugar, porque nada garante que outro tipo de jornalismo, não manipulador, não tivesse uma audiência infinitamente maior do que a que consome os produtos de comunicação manipulados. É evidente que os órgãos de comunicação, e a Indústria Cultural de que fazem parte, estão submetidos à Lógica Econômica do Capitalismo. Mas o Capitalismo opera também com outra lógica — a lógica Política, a lógica do Poder — e é aí, provavelmente que vamos encontrar a explicação da manipulação jornalística.
Assim é sustentável a afirmação — pelos menos em caráter de hipótese de trabalho — de que os órgãos de comunicação se transformaram em novos órgãos de poder, em órgãos político-partidários, e é por isso que eles precisam recriar a realidade onde exercer esse poder, e para recriar a realidade eles precisam manipular as informações. A manipulação, assim, torna-se uma necessidade da empresa de comunicação, mas como a empresa não foi criada nem organizada para exercer diretamente o Poder, ela procura transformar-se em partido político. Aliás, os grandes e modernos órgãos de comunicação, no Brasil, parecem-se efetivamente muito com partidos políticos.
1. Da mesma forma que os partidos têm seus manifestos de fundação, seus programas, suas teses, os órgãos de comunicação têm seus projetos editoriais, suas linhas editoriais, seus artigos de fundo.
2. Os partidos têm estatutos, regimentos internos e regulamentos; os órgãos de comunicação têm seus Manuais de Redação, suas Normas de Trabalho.
3. Os partidos têm seu aparato material: sedes, móveis e equipamentos, verbas, veículos, etc. Os órgãos de comunicação também têm seu aparato material, freqüentemente mais diversificado e mais moderno que o da média dos partidos.
4. Os partidos têm seus filiados, seus militantes, seus quadros dirigentes centrais e intermediários. Os órgãos têm o equivalente: empregados, chefes, diretores, editores, de quem exigem adesão e fidelidade freqüentemente maior que a que os partidos exigem de seus filiados.
5. Os partidos têm normas disciplinares com as quais aplicam sanções aos filiados que se afastam da linha partidária. Os órgãos também têm normas disciplinares, com as quais aplicam prêmios de reforço aos mais fiéis, e rebaixamentos, suspensões e expulsões aos que se desviam da linha editorial.
6. Os partidos têm sede central, diretórios regionais e locais, células, núcleos, áreas de influência e intercâmbio com entidades do movimento social. Os órgãos têm sede central ou matriz, sucursais correspondentes e enviados especiais, contratos e convênios com outros órgãos e com agências internacionais.
7. Os partidos são um ponto de referência para segmentos sociais, têm seus simpatizantes e seu eleitorado. Os órgãos também são um ponto de referência para milhares ou milhões de leitores/espectadores, têm seus simpatizantes e seguidores, o seu leitorado.
8. Os partidos procuram ter os seus boletins, o seu jornal, a sua revista, seus volantes e panfletos, seus carros de som e seus palanques com alto-falantes, enfim, seus meios de comunicação. Os órgãos de comunicação são os meios de comunicação de si mesmos enquanto partidos.
9. Os partidos procuram conduzir partes da sociedade ou o conjunto da sociedade para alvos institucionais, para a conservação de algumas instituições e para a transformação de outras; têm enfim um projeto histórico relacionado com o Poder. Os órgãos de comunicação também procuram conduzir a sociedade, em parte ou no todo, no sentido da conservação ou da mudança das instituições sociais; têm, portanto, um projeto histórico relacionado com o Poder.
10. Os partidos têm representatividade, em maior ou menor grau, na medida em que exprimem interesses e valores de segmentos sociais; por isso destacam, entre seus membros, os que disputam e exercem mandatos de representação, legislativa ou executiva. Os órgãos de comunicação agem como se também recebessem mandatos de representação popular, e alguns se proclamam explicitamente como detentores de mandatos. Oscilam .entre se auto suporem demiurgos da vontade divina ou mandatados do povo, e confundem o consumo dos seus produtos ou o índice de tiragem ou audiência com o voto popular depositado em urna.
Essas analogias não constituem apenas — como poderia parecer — um mero jogo de palavras, uma brincadeira semântica e retórica. Elas revelam um significado mais profundo do que as aparências formais indicam. Na verdade, elas dizem que os órgãos de comunicação se transformaram em entidades novas, diferentes do que eram em sua origem, distintas das demais instituições sociais, mas extremamente semelhantes a um determinado tipo dessas instituições sociais, que são os partidos políticos.
Se os órgãos não são partidos políticos na acepção rigorosa do termo, são, pelo menos, agentes partidários, entidades para-partidárias, únicas, sui generis. Comportam-se e agem como partidos políticos. Deixam de ser instituições da sociedade civil para se tornarem instituições da sociedade política. Procuram representar — mesmo sem mandato real ou delegação explícita e consciente — valores e interesses de segmentos da sociedade. E tentam fazer a intermediação entre a sociedade civil e o Estado, o Poder. É por essa razão que os principais órgãos de comunicação podem proclamar sua autonomia e sua independência, não só diante dos anunciantes como diante do governo e do Estado.
Na realidade, esses grandes órgãos efetivamente são autônomos e independentes, em grande parte, em relação a outras formas de Poder. Mas não — como querem fazer crer — porque estejam acima dos conflitos de classe, da disputa do Poder ou das divergências partidárias Nem porque estejam a serviço do Brasil ou da parte do Brasil que constitui o seu específico leitorado. Mas sim porque são eles mesmos, em si, fonte original de Poder, entes político- partidários, e disputam o Poder maior sobre a sociedade em benefício dos seus próprios interesses e valores políticos.
A frase publicitária utilizada por um desses grandes órgãos — "A Folha está de rabo preso com o leitor" — só tem seu verdadeiro significado desvendado quando recolocada de pé sobre o chão e lida com a re-inversão de seus termos: o leitor é que está de rabo preso com a Folha, por extensão, com todos os grandes órgãos de comunicação. Porque, efetivamente, é assim que os órgãos de comunicação se relacionam com os leitores, isto é, com a sociedade, com a população. Recriando a realidade à sua maneira e de acordo com seus interesses político-partidários, os órgãos de comunicação aprisionam seus leitores nesse círculo de ferro da realidade irreal, e sobre ele exercem todo o seu Poder. O Jornal Nacional faz plim-plim e milhões de brasileiros salivam no ato. A Folha, o Estado, o Jornal do Brasil, a Veja dizem alguma coisa e centenas de milhares de brasileiros abanam o rabo em sinal de assentimento e obediência.

5. CIRCUNSTÂNCIA OU TENDÊNCIA?
Para finalizar esta exposição, e à guisa de conclusão geral, é preciso colocar algumas questões.
Até que ponto as características atuais da Imprensa brasileira constituem apenas uma situação transitória, temporária, circunstancial e conjuntural? Em que medida não representam uma excessiva reação à época da Ditadura Militar, em que a censura do Estado sobre a Imprensa a tornava quase totalmente inócua e estéril? Até que ponto não exprimem, por outro lado, o estado confuso e ambíguo da atual conjuntura geral do País, em que parece haver vazios institucionais e a dissolução das formas "convencionais" de Poder? Em que medida a própria Imprensa — quer pela ação de seus proprietários, quer pela dos jornalistas — não acabará por encontrar, de imediato, correções de rumo e redefinição de significados ou papéis?
Por outro lado, serão essas características indicadores de uma tendência histórica, de um avanço e de marcos inexoráveis, irredutíveis e irrecorríveis? Estaremos assistindo, de fato, ao nascimento de um novo tipo de jornalismo, de imprensa, de novos papéis, significados e funções sociais e políticas dos órgãos de comunicação?
Estaremos com efeito diante de um novo tipo, definitivo, sem retorno, do fazer jornalístico? De um novo tipo de Imprensa, que ganha em eficácia no exercício do poder político, mas perde em credibilidade, em confiabilidade, em dar resposta à necessidade social da busca da informação, do conhecimento da realidade? De um novo tipo de poder?
A primeira ordem de questões — que privilegiam o circunstancial e o provisório das características da Imprensa — pode encontrar respostas no campo imediato e pragmático da contra-reação, dos conflitos internos das redações, da luta sindical e prática do dia a dia.
Mas se estamos na perspectiva da segunda ordem de questões, isto é, na perspectiva de uma tendência histórica de mudanças decisivas e sem retorno, é fundamental antever também as principais transformações que necessariamente deverão efetuar-se no outro pólo da contradição nascente. Basicamente haverá a tendência, igualmente histórica, de a sociedade também mudar sua postura tradicional diante dos órgãos de comunicação. Essa mudança de postura provavelmente se dará em três planos. Como são os grandes empresários de comunicação — a Burguesia — que se situam na parte dominante da sociedade, é às classes dominadas que caberá o papel fundamental das transformações na visão do jornalismo pela população.
Num primeiro plano, as classes politicamente dominadas tenderão, cada vez mais a desmistificar o jornalismo e a Imprensa. Não mais terão motivos para acreditar ou confiar na Imprensa e a seguir suas orientações. Passarão a intensificar sua postura crítica, sua análise de conteúdo e forma, diante dos órgãos de comunicação. Através de seus setores mais organizados, as classes dominadas contestarão as informações jornalísticas, farão a comparação militante entre o real acontecido e o irreal comunicado, farão a denúncia sistemática da manipulação e da distorção. Tomarão como uma das suas principais tarefas de luta a desmistificação organizada da Imprensa e das empresas de comunicação.
No segundo plano, as classes dominadas tenderão a passar a um nível superior de defesa e contra-ataque, em relação à Imprensa. Passarão a tratar os órgãos como eles se apresentam e se comportam: isto é, como entes político- partidários, e não como instituições de informação e conhecimento, acima do Bem e do Mal, acima da luta de classes e distantes da disputa do Poder. Exigirão que esses novos e sui generis partidos políticos sejam tratados em níveis de equivalência com os demais partidos e demais instituições político-partidárias; tenham os mesmos direitos, sem regalias especiais, e sejam submetidos a diversas formas de controle público. Conseqüência inevitável será a revisão e reformulação de conceitos tradicionais como os de "liberdade de imprensa", "liberdade de expressão", etc. Evidentemente o grau de intensidade dessas mudanças estará condicionado pela correlação de forças, mas os alvos perseguidos provavelmente conduzirão a uma regulamentação rigorosa sobre toda a atividade de comunicação, como forma de garantir o controle público sobre as empresas jornalísticas.
No terceiro plano, as classes dominadas lutarão pela transformação da própria natureza dos meios de comunicação. Se os órgãos de comunicação passaram de instituições da sociedade civil para se tornarem instituições da sociedade política, se deixaram de ser órgãos de comunicação para se transformarem em entes político-partidários, não haverá mais razão de aceitá-los como institutos de direito privado, e deverão se transformar em institutos de direito público. Em outras palavras, a parte dominada da sociedade passará a questionar o regime de propriedade privada dos órgãos de comunicação.
A tendência poderá caminhar no sentido de vedar, ao empresário privado, a exploração desse setor de atividades. A comunicação, e principalmente a informação, passarão a ser objeto de exploração apenas por parte do Estado ou de instituições de direito público, sob controle público. A assunção, por parte do Estado, de toda a comunicação de massa e de toda a informação, também dependerá da conjuntura e da correlação de forças sociais. Para a parte dominada da sociedade ela é tão indesejável quanto a propriedade privada dos meios de comunicação. As classes dominadas, portanto, tenderão a lutar pela transformação dos órgãos privados e estatais em órgãos públicos, sob formas e mecanismos que evidentemente ainda estão por serem engendrados e desenvolvidos. E finalmente, então, o jornalismo poderá se libertar do seu pior inimigo: a Imprensa, tal como ela existe hoje, 1988.

[*] Jornalista e sociólogo brasileiro. Nasceu na cidade de São Paulo em 1929. Iniciou sua atividade jornalística em 1946, tendo trabalhado em numerosas publicações. Foi professor de sociologia na Universidade de Brasília e na Universidade Federal da Bahia, e professor de jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Fundação Armando Álvares Penteado. Teve importante participação no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e no Comitê Brasileiro de Anistia. Foi um dos fundadores do PT e seu dirigente durante 16 anos, exercendo, entre outras, as funções de secretário nacional de Imprensa e Propaganda e de Formação Política. Faleceu em São Paulo, em 6 de março de 1996, aos 66 anos.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Do Balaio do Kotscho

Prêmio de Lula orgulha o país, mas imprensa esconde

(...)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu na noite desta terça-feira, em Paris, o prêmio Félix Houphouët-Boigny concedido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura).

Presidido por Henry Kissinger, ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, o júri premiou Lula “por sua atuação na promoção da paz e da igualdade de direitos”.

Não é um premiozinho qualquer. Entre as 23 personalidades mundiais que receberam o prêmio até hoje _ anteriormente nenhum deles brasileiro _ , estão Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, Yitzhak Rabin, ex-premiê israelense, Yasser Arafat, ex-presidente da Autoridade Nacional Palestina, e Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos.

Secretário-executivo do prêmio, Alioune Traoré lembrou durante a cerimonia na sede da Unesco que um terço dos vencedores anteriores ganhou depois o Prêmio Nobel da Paz.

Pode-se imaginar no Brasil o trauma que isto causaria a certos setores políticos e da mídia caso o mesmo aconteça com Lula.

Thaoré disse a Lula que, ao receber este prêmio, “o senhor assume novas responsabilidades na história”.

Mas nada disso foi capaz de comover os editores dos dois jornalões paulistas, Folha e Estadão, que simplesmente ignoraram o fato em suas primeiras páginas. Dos três grandes jornais nacionais, apenas O Globo destacou a entrega do prêmio no alto da capa.

Para o Estadão, mais importante do que o prêmio recebido por Lula foi a manifestão de dois ativistas do Greenpeace que exibiram faixas conclamando Lula a salvar a Amazônia e o clima. “Ambientalistas protestam durante premiação de Lula”, foi o título da página A7 do Estadão.

O protesto do Greenpeace foi também o tema das únicas fotografias publicadas pela Folha e pelo Estadão. No final do texto, o Estadão registrou que Lula pediu desculpas aos jovens ativistas, retirados com truculência pela segurança, e “reverteu o constragimento a seu favor, sendo ovacionado pelo público que lotava o auditório”.

“O alerta destes jovens vale para todos nós, porque a Amaz}ônia tem que ser realmente preservada”, afirmou Lula em seu discurso, ao longo do qual foi aplaudido três vezes quando pediu o fim do embargo a Cuba e a criação do Estado palestino, e condenou o golpe em Honduras.

“Sinto-me honrado de partilhar desta distinção. Recebo esse prêmio em nome das conquistas recentes do povo brasileiro”, afirmou Lula para os convidados das Nações Unidas.

A honraria inédita concedida a um presidente brasileiro, motivo de orgulho para o país, também não mereceu constar da escalada de manchetes do Jornal Nacional. A notícia da entrega do prêmio no principal telejornal noturno saiu ensanduichada entre declarações de Lula sobre a crise no Senado e o protesto do Greenpeace.

É verdade que ontem foi o dia do grande show promovido nos funerais de Michael Jackson, mas também ganhou destaque na escalada e no noticiário a comemoração pelos quinze anos do Plano Real (tema tratado neste Balaio na semana passada) promovida no plenário do Senado, em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aproveitou para atacar Lula.

Diante da manifesta má-vontade demonstrada pela imprensa neste episódio da cobertura da entrega do Prêmio da Unesco, dá para entender porque o governo Lula procura formas alternativas para se comunicar com a população fora da grande mídia.

Muitas vezes, quando trabalhava no governo, e mesmo depois que saí, discordei dele nas críticas que fazia à atuação da imprensa, a ponto de dizer recentemente que não lia mais jornais porque lhe davam azia.

Exageros à parte, mesmo que esta atitude beligerante lhe cause mais prejuízos do que dividendos, na minha modesta opinião, o fato é que Lula não deixa de ter razão quando se queixa de uma tendência da nossa mídia de inverter a máxima de Rubens Ricupero, aquele que deu uma banana para os escrúpulos.

“O que é bom a gente esconde, o que é ruim a gente divulga”, parece ser mesmo a postura de boa parte dos editores da nossa imprensa com um estranho gosto pelo noticiário negativo, priorizando as desgraças e minimizando as coisas boas que também acontecem no país.

Valeu, Lula. Parabéns!

Comentário: O pior de tudo é que ainda tem gente que acredita que a imprensa protege o Lula.

P.S.: O link do Balaio do Kotscho está à direita em Política ou clique aqui

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Atenção Leitores Paraenses!

Deputado Edmar Moreira, "o homem do castelo", é absolvido pelo Conselho de Ética

O deputado Edmar Moreira (sem partido-MG) foi absolvido pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (1). Não foi acatado o relatório de Nazareno Fonteles (PT-PI), que havia pedido a cassação no dia 17 de junho. Foram nove votos contrários ao relatório, quatro a favor e uma abstenção. Leia mais aqui .

Comentário: O que que isso tem a ver com nós paraenses?

Simples. Vejam quem são os deputados paraenses que votaram contra a cassação:

Wladimir Costa (PMDB-PA)
dep.wladimircosta@camara.gov.br

Lúcio Vale (PR-PA)
dep.luciovale@camara.gov.br

É isso aí gente, fiquemos atentos.

domingo, 21 de junho de 2009

Eduardo Guimarães recomenda: Panfletar é preciso

REGRAS PARA VOTAR BEM

Você sabia que haverá eleição presidencial no ano que vem? Se não sabia, é bom começar a se interessar pelo assunto, sobretudo se você é alguém que acha que sua vida melhorou nos últimos anos, porque a eleição que se aproxima poderá mudar o país – e sua própria vida – para pior.

Os candidatos a presidente da República mais bem posicionados nas pesquisas são o governador de São Paulo, José Serra, ligado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que governou o país entre 1994 e 2002, e a ministra Dilma Rousseff, candidata do presidente Lula, o presidente que está no governo federal desde 2003 até agora.

Para que você possa fazer uma escolha consciente de quem governará o país de 2011 a 2014, daquele que poderá mudar sua vida para melhor ou para pior, esses candidatos que mencionei (Dilma e Serra) devem ter suas atuações na administração pública fiscalizadas pela imprensa.

Um candidato é governador do Estado de São Paulo e a outra candidata é ministra do governo do Brasil. Tanto Serra quanto Dilma devem ser fiscalizados como nunca, pois um deles pode se eleger presidente e quem se elege presidente pode mudar muito nossas vidas.

Peço a você que lê este texto que reflita sobre quanto de informação você recebe dos jornais, das tevês e das rádios sobre cada candidato. O normal seria que você visse elogios e críticas aos dois candidatos (Dilma e Serra) nos jornais, nas rádios e tevês.

Será que é isso o que está acontecendo?

Algumas perguntas que você deve se fazer:

· O que você se lembra de ter visto sobre Dilma e sobre Serra na imprensa?

· A imprensa está dizendo a você que Dilma é a candidata de Lula e que Serra é o candidato de Fernando Henrique Cardoso?

· Os jornais, rádios e tevês têm feito reportagens sobre as atuações de Dilma no governo Lula e de Serra no governo de São Paulo ou só de um deles?

· Você viu críticas e acusações contra Dilma na imprensa?

· Você viu críticas e acusações contra Serra na Imprensa?

· Você acha que um está sendo mais criticado que o outro ou que algum deles aparece muito pouco na imprensa?

Para que você tome uma decisão correta na eleição do ano que vem, é bom que saiba que é impossível que só um dos candidatos sofra acusações e críticas na imprensa. Acusações, críticas e elogios haverá para os dois lados.

Se você se lembra de ter visto nas tevês, rádios e jornais acusações e críticas só a Dilma ou só a Serra, é porque esses meios de comunicação estão escondendo críticas a um dos candidatos. Se a imprensa traz notícias apenas sobre a atuação de um dos candidatos e não diz nada sobre a atuação de outro, ela está tentando manipular sua opinião.

Não se iluda: a imprensa (os jornais, as rádios, as tevês, as revistas, os portais de internet) têm candidato preferido. Não acredite se disserem que não preferem um dos candidatos. Se disserem ou insinuarem isso, estarão mentindo.

Lembre-se que só há democracia quando os que disputam um cargo público têm as mesmas chances e dificuldades. Quando as tevês, jornais e rádios ficam do lado de um dos candidatos (Serra, por exemplo), é porque têm algum acordo suspeito com ele.

Seja um democrata e exija da imprensa que trate da mesma forma todos os candidatos em eleições. Se há críticas e acusações a um, com certeza há também ao outro. Se estiver lendo ou assistindo críticas só a Dilma ou só a Serra, algo está errado. Se a imprensa só noticia a administração de um deles, algo está errado.

Cuidado para não ser manipulado. O interesse da imprensa nem sempre é o seu. São empresas que visam lucro e que, por terem o poder de influir na sua opinião, freqüentemente recebem “ajuda” de políticos. Muitas vezes, ajuda financeira – e com o dinheiro dos seus impostos.