“O professor medíocre diz, o bom professor explica, o professor superior demonstra e o grande professor inspira” (William Arthur Ward, 1921-1994).
sábado, 27 de dezembro de 2008
Humor: O monólogo do Papai Noel cansado
Odeio o Natal. Odeio, odeio, odeio! Logo eu que tinha obrigação de cumprir a tradição. Mas o que é demais é demais. Também um velho tem o direito de se fartar. Estou imensamente cansado. Todos os anos a mesma lenga-lenga: “Papai Noel me traz isto”, “Papai Noel me traz aquilo”, “Papai Noel não te esqueças”, “Papai Noel me portei bem durante o ano”, bla, bla,bla. Pensam que me enganam com aqueles sorrisinhos lânguidos de arrependimento? Já não posso com esses diabos que me querem convencer que agora são anjos. Depois de empanturrados com consoles topo de linha, carros telecomandados, computadores de último modelo, roupas de marca e outras coisas que a minha fraca memória não consegue fixar, me fazem o sangue ferver. Nem sequer uma palavrinha de agradecimento...
Ingratos! A quantia que gasto nesses presentes todos. E as horas que passo e as dores de cabeça que arranjo lendo indecifráveis manuais técnicos para distinguir um processador Centrino 3 de um Pentium 4 com placa gráfica de 512 Mb e rendering 3D para os meninos jogarem o “Mortal Combat 5”. E nunca ficam satisfeitos. Se pudesse, em vez de brinquedos dava-lhes mas era umas boas palmadas no rabo para ver se ficavam menos exigentes e mais bem educados.
Sabem quem é que paga a fatura desta cangalhada toda? Pois sou eu. Não há nenhuma rubrica do Orçamento de Estado destinada ao Papai Noel: desminto categoricamente que seja eu o responsável pelo déficit! Nem sequer tenho um saco azul, até na cor do saco tive azar. Como o pólo norte não está nadando em petróleo, a única saída que tenho é contrair empréstimos. Porém, depois da crise do “subprime”, os bancos já não me emprestam um vintém. E passei a levar com um agravamento dos juros antigos por exercer uma profissão de alto risco. Isso quando essa gente dos bancos não se corrompem para receber também uns presentinhos. Tenho até pena deles! Um bom presente eu lhes dava: virem aqui para o pólo norte dar de comer às renas para ver se lhes esfriava a ganância.
Quero mudar de vida. A solidão, o frio e o escuro me deprimem. Já fui a um psicólogo que me aconselhou a fazer meditação. Mas com o stress em que ando não consegui meditar. Pus anúncios no jornal para ver se arranjava um substituto, mas, quando lhes digo o que vão ter de dar sem receber um centavo, me chamam de otário e me desligam o telefone na cara.
Raios partam quem me enfiou aqui neste fim do mundo gelado na companhia de gnomos assexuados. Podiam ao menos ter-me arranjado uma Mamãe Noel. Já não digo alguém na flor da idade, pois não queria tanto, mas ao menos uma velhinha, ainda que caquética, que me fizesse uns chás e bolinhos. Um tipo sai à noite e só encontra renas e duendes efeminados. No desespero desta solidão a que fui condenado ainda um dia faço uma loucura. Depois não se queixem. Um Papai Noel é um homem e um homem não é de ferro...
Estou farto, farto mesmo. Como Frankenstein, também eu amaldiçoo o meu criador. Também eu queria me vingar desse covarde que me obrigou a competir com as suas virtudes - bondade, simpatia, paciência, etc. - sem me dar os seus defeitos. Maldito sejas. E, já agora, não tinhas outra roupa mais “sexy” para eu vestir do que este manto rude de avô em adiantado estado de senilidade? Não havia uma outra cor além deste vermelho espalhafatoso que não condiz com nada? E me dizes para que serve este gorro de palhaço? Pareço uma salsicha ambulante!
E que raio de maluquice foi essa de me mandares descer pela chaminé? Será, grande totó, que desconhecias o que era uma porta? Onde é que já se viu uma pessoa ter de descer pela chaminé com um saco carregado de presentes? Ainda por cima, como não está nas especificações dos construtores civis, muitas casas nem sequer têm uma chaminé decente. Será que foi um truque para que os meninos cujos pais têm maior poder de compra fossem os únicos a receber presentes?
Devo ter entregue só este ano milhões e milhões de presentes. Mas quantos recebi? Quantas vezes pensaram em dar um presente, um só, ao Papai Noel? Pensam que "isto é o da Joana”? Está decidido. No ano que vem vou fazer greve. Não há Papai Noel para ninguém. O imbecil que me inventou que se encarregue de distribuir as presentes sozinho se for capaz. Eu vou para o quente, para uma ilha da Polinésia completamente deserta de crianças.
Papai Noel
PS: Texto adaptado para o português do Brasil copiado do Rerum Natura.
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